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quinta-feira, 13 de março de 2014

Morri e fui para o céu!

Um pouco triste por ver tanta gente de lágrima no olho por causa da minha partida, apresentei-me lá em cima pronto para o que desse e viesse. Depois de ouvir a versão dos católicos, das testemunhas de Jeová assim como de muçulmanos, hindús e budistas de um paraíso que nenhum terráqueo, depois de morto, se dignou vir contar-nos como é, eu estava cheio de curiosidade para ver qual destes crentes andaria mais próximo da realidade. Aquilo devia ser engraçado!
Inferno eu já sabia que não existia, pois isso não passa de uma invenção da padralhada para afastar a gente do pecado. Pecado que é, ao fim e ao cabo, tudo aquilo que gostamos de fazer ou nos dá algum prazer. Inferno temos nós nesta vida, convivendo com pessoas que não prestam, com doenças que aparecem de rompante e estragam a vida a qualquer um, com dificuldades de todos os tipos que nos tornam a vida nisso mesmo, um verdadeiro inferno.
Enquanto andei cá por baixo, eu ouvi as mais mirabolantes versões do que seria a outra vida, a eterna, mas nenhuma me deixou muito convencido. Sentado à direita de Deus Pai, por toda uma interminável eternidade, parecia-me uma incrível seca. Andar por ali a entoar melodias celestes na companhia dos anjinhos também não me parecia vida para mim, pois nunca fui grande amante da música, seja ela de que tipo for. Deitado à sombra de alguma árvore frondosa, a dormir uma soneca, agradava-me mais, mas será que haveria árvores no céu. Bem e eu também não poderia passar a vida toda a dormir.
E as pessoas? Quantas seriam, uma vez que o mundo é mundo há milhões de anos e morrem pessoas aos milhares todos os dias? E a questão da Língua? Do norte, do Sul, do Este e Oeste, das Áfricas e Américas, da China, da Índia e da Rússia, como se entenderiam todos? Não acredito que fosse por gestos! Aquilo devia ser pior que Nova Iorque em hora de ponta. Espero bem que me consiga fazer entender!


Mas, bem, voltemos ao princípio da história. Segundos depois de fechar os olhos vi-me num espaço vazio e sem ninguém para me dar as boas-vindas ou a quem perguntar o que deveria fazer de seguida. Não havia casas, nem árvores, nem rios, nem montes, mas especialmente não havia ninguém em lado nenhum. Um autêntico deserto. Por onde andaria toda a gente?
Não me podia sentar, pois nem um miserável banquinho havia, mas também não sabia para onde ir nem o que fazer. Que estranho sítio onde eu fora parar. Pus-me a pensar, o que era a única coisa possível numa situação daquelas, esperando que alguma ideia luminosa me indicasse um caminho. De repente a realidade atingiu-me com tanta força que quase a senti fisicamente. Então os mortos não abandonam o corpo na Terra sobrando apenas o espírito? E o espírito não é invisível? Ora aí está, assim se explica a razão de eu não ver ninguém em lado nenhum.
Compreendi de repente que aquilo que eu imaginara, um mundo onde todas as raças e credos conviviam em paz e harmonia, em que as vestimentas coloridas de uns contrastavam com a nudez ou a simplicidade dos trajes de outros, onde novos e velhos andavam lado a lado com a mesma desenvoltura, onde homens e mulheres ainda crianças, jovens e velhos tinham todos a mesma sabedoria e falavam dos mesmos assuntos com desenvoltura, esse mundo não existia lá em cima.
As pessoas, pura e simplesmente, não se viam nem falavam umas com as outras. Depois de morto, não havia nada que fazer, nada por que lutar, nada que cada um pudesse fazer diferente do que fazia o vizinho do lado. Ao chegar a esta conclusão, comecei a pensar que não me iria dar muito bem num sítio como aquele. Que poderia fazer para mudar aquele estado de coisas? Não me restava outra alternativa a não ser pensar. Talvez, quem sabe, Deus (que continuava invisível como sempre) me enviasse uma luz.
E, de súbito, essa luz atingiu-me mesmo em cheio até me fazer doer os olhos. Alguém acendera a luz do meu quarto e acordei em sobressalto.
Tudo não passara de um sonho!

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