Para qualquer assunto relacionado com os combatentes podem contactar-me através do e.mail «maneldarita44@gmail.com»

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

À laia de balanço!

Fim de ano é altura de balanços e eu quero aproveitar esta data para fazer um breve comentário a respeito do que foram estes primeiros 7 meses de vida do Blog dos Combatentes de Macieira.
Para começar direi que um blog não é nada sem os seus seguidores e comentadores. O conteúdo do blog tem que ter atractivos para quem o visita e só isso fará com que se interessem por ele e o queiram seguir. Quanto aos comentários passa-se quase a mesma coisa, ou os leitores gostam do que lêem e isso leva-os a deixar um elogio, ou viram a página sem nada dizer por nada de real valor terem encontrado no seu conteúdo.
Como se pode ver na coluna aqui ao lado, os seguidores são em número irrisório e os comentários (em 7 meses de actividade) contam-se pelos dedos das mãos. Não sei se deva atribuir isso ao tema do blog ou à minha falta de habilidade para agradar aos leitores. Tenho usado o Facebook para levar ao conhecimento de mais pessoas os artigos publicados e se o não tivesse feito o resultado seria ainda muito pior. Sinceramente não sei que mais possa fazer para despertar o interesse dos jovens macieirenses que navegam pela internet.
Desde o início contava com o alheamento dos ex-combatentes, pois sei que muito raros são aqueles que se entendem com um computador. Mas muito sinceramente contava despertar o interesse dos seus filhos e netos, coisa que tenho que reconhecer não aconteceu.
Chegando a esta conclusão o mais acertado da minha parte seria abandonar a ideia e entregar-me a outro qualquer projecto. À boca de um novo ano que amanhã começa, talvez fosse essa a decisão mais acertada que eu deveria tomar, mas custa-me muito desistir de qualquer coisa em que me meto. Estou, por isso, como o tolo no meio da ponte sem saber para que lado seguir. Uma palavra de ânimo da vossa parte seria bem vinda para me fazer prosseguir.
Para todos os visitantes eu desejo um Ano Novo cheio de prosperidades!

sábado, 28 de dezembro de 2013

A Promessa!


Há muitos, muitos anos, apareceu por Macieira uma senhora que procurava um homem capaz de cumprir uma promessa feita pelo seu marido que tinha morrido sem a conseguir cumprir. Oferecia uma pequena fortuna, umas dezenas de contos de reis, ao voluntário que se apresentasse pronto para a tarefa, mas nem assim houve quem se oferecesse. Pediu ajuda ao abade da freguesia, depois de se ter confessado e contado a sua história de fio a pavio, para que ele intercedesse junto dos seus paroquianos explicando-lhes que nada de mal poderia acontecer a quem concordasse em fazer aquilo que ela pedia. Nem assim, nada, não houve um macieirense que desse um passo em frente e se aventurasse a receber a choruda recompensa oferecida pela viúva. Soube-se depois que ela já tinha tentado a sua sorte noutras freguesias do concelho, mas sempre sem sucesso.
Mas afinal de que se tratava? O que teria que fazer o interessado e que assusatva todos os possíveis candidatos?
Ora vamos lá repetir a história que a velha senhora contava e satisfazer a vossa curiosidade. Segundo ela o seu marido sofrera de uma grave doença e desesperado por melhoras que tardavam em aparecer fez uma promessa a S.Tiago de Compostela para que ele o salvasse. A promessa consistia em viajar, desde a freguesia em que morava até à Catedral de S.Tiago, dentro de um caixão, num carro puxado por cavalos. Na freguesia que estivessem a atravessar ao sol-pôr, em cada dia de viagem, deviam pernoitar na igreja paroquial, com o caixão aberto e o "morto/vivo" lá dentro em exposição como se de um verdadeiro cadáver se tratasse. Aconteceu que, de facto, se curou, mas acabou por morrer num acidente antes de ter podido cumprir a promessa feita ao santo.
Com a consciência pesada pelo segredo que carregava contou ao seu confessor a promessa feita pelo marido e o receio que tinha de ele não poder entrar no céu por causa do não cumprimento do que tinha prometido. O padre disse-lhe que, se acreditava que cumprindo a promessa do marido ele veria abrirem-se-lhe as portas do céu, o fizesse sem problemas, pois daí não viria mal ao mundo. Como penitência adicional disse-lhe que devia entregar uma esmola significativa ao abade de cada freguesia onde pernoitassem, contando-lhe a história da promessa feita a S.Tiago e pedindo para que rezasse para que o seu falecido tivesse direito à bem-aventurança na vida eterna.
A viagem até Compostela ia custar caro, mas esse não era o problema, pois o seu marido deixara-lhe uma boa fortuna ao morrer. Começou a preparar a viagem, tratando de arranjar o carro, os cavalos e um cocheiro para os conduzir e olhar por eles no período de descanso. Encomendou o esquife e mais os restantes apetrechos habitualmente usados nestas cerimónias. Mas quando chegou a altura de escolher o candidato a deitar-se dentro do caixão deparou-se com um grave problema, não havia nenhum candidato.
E foi isso que a levou a Macieira e a fez andar de porta em porta, pedindo por Deus e pelas almas do purgatório, que aceitassem o seu pedido. Mas, tanto quanto me é dado saber, não houve ninguém de Macieira que se aventurasse a tal empreitada. Diziam todos que a viagem ainda fariam, mas dormir na igreja e dentro do caixão com velas acesas à sua volta, isso é que nem pensar.
Quero acreditar que, mesmo sem ter conseguido cumprir a promessa feita pelo seu marido, o santo os perdoou aos dois, pelo esforço que fez e pelas esmolas que ofereceu, e hoje se sentam ambos no céu, à direita de Deus Pai!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Kalashnikov morreu, mas perdura a sua criação!


Com 94 anos de idade morreu hoje Mikhail Kalashnikov o criador da arma que mais tiros disparou na Guerra do Ultramar, a AK-47 espingarda metralhadora usada pelos "turras" (como eram conhecidos na altura) de Angola, Guiné e Moçambique. Não fossem as minas e poderia dizer que ficou a dever-se a esta arma a maioria das baixas sofridas pelas nossas tropas.
A explicação da marca é a seguinte:
A de automática, K do nome do criador Kalashnikov e 47 do ano de fabrico da primeira de todas, 1947.
Do nosso lado houve 3 armas semelhantes a esta durante os 14 anos de guerra, a FN, a Armalite e a G3. A primeira usada pelo Exército e a segunda pelos paraquedistas, antes de termos comprado aos alemães a licença de fabrico da G3. Logo que esta entrou em produção na Fábrica do Braço de Prata, foram postas de parte as outras duas. As primeiras Unidades de Fuzileiros mobilizadas para o Ultramar já foram armados com a G3 fornecida pela Alemanha.
Pessoalmente nunca fui grande admirador da G3. Embora tenha tido pouco contacto com ela, gostava mais da FN que via nas mãos dos rapazes do Exército que estavam comigo em Moçambique. Por seu lado a AK-47 é mais maneirinha e todos gostam dela, mas é menos adequada a tiro de média distância que era aquilo que se pretendia na guerra de guerrilha que travamos nas ex-colónias. Nos casos de guerrilha urbana, como existe hoje um pouco por todo o Médio Oriente, a mais indicada é de facto a Kalashnikov, não falando de outras armas mais modernas que existem hoje um pouco por todo o lado e de várias origens.

Criança sofre!


Pôr uma criança de 7 ou 8 anos fora da cama às 6 da manhã para ir à igreja rezar a «Novena do Menino» é coisa para fanáticos. Mas era essa a educação religiosa que o Sr. Abade de Macieira tentava ensinar aos seus paroquianos e os pais não se sentiam nada inclinados a desobedecer a esses ensinamentos. Nove dias seguidos, antes do Dia de Natal, muito antes de nascer o dia já se rezava na igreja da nossa freguesia, preparando a vinda do Menino Jesus.
- Avó, está tanto frio, deixa-me dormir.
- Vamos, toca a vestir que já estamos atrasados.
- Mas eu não quero ir à igreja.
- Isso nem se discute, tu ainda não tens querer. Mexe-te que já estão todos lá fora à nossa espera.
Depois de mais alguns protestos e umas quantas lágrimas derramadas na tentativa de sensibilizar o coração da avó, não havia outro remédio senão enfrentar o frio e a chuva miudinha daquelas noites de dezembro. Nas noites mais escuras tornava-se necessário recorrer a uma manada de palha de colmo para alumiar o caminho e evitar as poças de água que estavam por todo o lado.
A caminhada era ainda considerável para as curtas pernas de uma criança, mas finalmente a igreja estava já à vista e dentro de alguns minutos estariam lá dentro abrigados do frio e da chuva. No presépio não havia menino, pois Ele não tinha ainda nascido. Mas assim mesmo a curiosidade e a admiração pela obra feita era muita e fazia esquecer o sacrifício que fora sair da cama àquela hora. As rezas não duravam muito e o caminho de regresso a casa fazia-se ainda sem que o sol se tivesse dignado aparecer.
Só no dia de Natal terminava o "martírio". Na véspera, a Ceia de Natal e de manhã o levantar mais tardio, além das cerimónias mais animadas que se seguiam na igreja, rapidamente faziam esquecer as nove madrugadas em que fora preciso saltar da cama a toque de caixa.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Feliz Natal!

Quando somos pequenos, tudo nos parece maior do que na realidade é. E quando vemos algo diferente daquilo a que estamos habituados, no dia a dia, arregalamos os olhos de espanto. Assim me acontecia a mim e creio que a todas as crianças da minha idade, quando entrava na igreja na época natalícia e ficava perante o presépio mais lindo do mundo.
É verdade, nunca vi nenhum presépio tão lindo, tão completo e tão bem imaginado como aquele que os "artistas" de Macieira montavam na igreja paroquial, cerca de uma semana antes do Natal. Era todo electrificado, tinha moinhos de vento em cima do monte, tinha uma azenha que se movia com a água do rio que lá corria, tinha serradores de madeira que não paravam de dar ao serrote, tinha ovelhas, pastores e cães, além de todas as outras figuras próprias de um presépio. E tinha um pinheiro de tamanho descomunal, assim me parecia nessa altura, todo ele enfeitado e iluminado a preceito.
Por baixo do presépio havia espaço suficiente para lá entrarem alguns rapazes e fazerem andar tudo aquilo que era suposto mexer-se. Não havia, nesses tempos, os recursos que hoje existem, de modo que tudo era operado manualmente. E com muita habilidade posso garantir. Nunca soube quem era o engenheiro daquele projecto, mas na verdade tudo funcionava na perfeição. Corri as freguesias em redor, Rates, Courel, Gueral, Chorente e Negreiros e nunca vi nenhum que se lhe pudesse comparar.
Parece que ainda estou a vê-lo, do lado direito da igreja, logo a seguir à capela-mor, ocupando todo o espaço entre o altar e o corredor central. Este ano ainda não fui espreitar, mas tenho que lá ir para ver se ainda o fazem como antigamente.


Quero aproveitar esta oportunidade para endossar a todos os leitores, seguidores e visitantes deste blog os meus votos de FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A professora ...ina!

Fiz 6 anos no dia 9 de Março. Seria natural que no dia 7 de Outubro desse ano tivesse entrado para a Escola Primária de Macieira para frequentar a 1ª Classe. Mas o facto é que isso não aconteceu. A professora Alexandrina não aceitou a minha matrícula alegando que não tinha ainda feito 7 anos. Não sei se foi por ter excesso de alunos ou se apenas por birra. A minha mãe tinha uma ligação bastante estreita com a D.Josefina, professora da vizinha freguesia de Courel e calhou em conversa comentar com ela o acontecido.
- Oh, Rita, não seja esse o problema. Manda-me o rapaz que eu faço-lhe aqui a 1ª Classe e depois ele continua em Macieira no próximo ano.
Claro que a minha mãe ficou radiante com a solução, sem imaginar que isso não serviria para nada. A mim tocou-me a pior parte. Não conhecia ninguém em Courel, a começar pela própria professora, o caminho era longo e solitário e custou um bocado a habituar-me àquele sacrifício. Hoje, ninguém imaginaria possível mandar um puto de 6 anos e meio, a pé pelo meio daquelas bouças dos Eiteirais, numa caminhada de cerca de 3 quilómetros. Mas, como tudo na vida, a continuação fez-me gostar daquela escola e da professora e estranhei bastante no ano seguinte quando mudei para Macieira.


Encontrei esta foto no Facebook e decidi trazê-la para aqui, porque é exactamente igual àquela em que me sentava na Escola de Courel. Lembro-me como se estivesse lá sentado agora. Fiquei sentado na fila lateral, do lado sul, na segunda carteira a contar da frente. O meu colega de carteira era o Licínio da Aldeia com quem vivi algumas aventuras e tive algumas arrelias. No centro da carteira pode ver-se um tinteiro que continha tinta permanente e servia para molharmos a pena e escrever as letras do abecedário no caderno de duas linhas (caligrafia). A maior parte dos leitores não saberá sequer o que isso de pena e caderno de duas linhas significa, imagino eu.
Num belo dia, o meu colega de carteira, sem intenção acredito eu, salpicou-me o caderno de caligrafia com uns pingos de tinta. Para não ficar no prejuízo molhei a minha pena e sacudi-a em cima do caderno dele. E começou ali uma guerra que acabou comigo a entornar-lhe o tinteiro em cima. Depois aconteceu aquilo que era habitual nessas situações, uma sessão de bolos repartida entre os dois, pois a D.Josefina, como qualquer professora que se prezava de o ser, tinha a sua palmatória guardada para essas ocasiões, seguida de uma zanga com o Licínio que durou alguns dias.
Quando já estava a conhecer as pessoas e a habituar-me ao seu convívio, acabou-se o ano lectivo e vieram as férias grandes. E depois das férias a matrícula na escola da professora Alexandrina, em Macieira. Como tinha terminado a 1ª Classe com aproveitamento esperava entrar na turma da 2ª Classe. Engano meu. A professora apressou-se a dizer que não sabia nada disso nem queria saber, era o meu primeiro ano com ela e seria na 1ª Classe que me matricularia. E de que serviria não concordar com ela? Naqueles tempos a sua vontade era soberana e não se ganhava nada em remar contra a maré.
E assim tive uma 1ª Classe duplicada, com um ano da professora Josef...ina e outro da professora Alexandr...ina. Até nisso parece ter havido a mão do destino. E talvez tenha servido para eu ter sido um aluno acima da média nos anos que se seguiram. Não se perdeu tudo.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Ui que medo!


Sexta~feira 13, dia de sorte ou de azar? Depende daquilo em que cada um acredita ou dos medos que enchem a sua cabeça. Gatos pretos, lobisomens, bruxas, vampiros e outras coisas desse género dão boas histórias para filmes de terror que levam muitas pessoas ao cinema, coisa que as produtoras agradecem.
Passar debaixo de uma escada, partir um espelho, etc. só dá azar a quem acredita nisso e a grande maioria do povo não liga patavina a essas crendices. É um pouco como ter medo dos mortos e não se preocupar com os vivos que são quem de facto nos pode fazer mal. Os mortos não, esses estão sossegadinhos no buraco onde os meteram e não saem de lá por nada deste mundo.
Dizem que os arranha-céus, em Nova Iorque, passam do 12º para o 14º andar para que os elevadores não mostrem o número 13 a quem os utiliza. Ninguém quer ir para o 13º andar e então resolveram atribuir-lhe o número seguinte. Como se isso resolvesse alguma coisa!
Faço-vos um desafio. À meia-noite, antes de irem para a caminha, façam uma lista das coisas boas e das coisas más que vos aconteceram hoje, subtraiam umas das outras e vejam o resultado. E garanto-vos que o resultado não será diferente de qualquer outro dia da semana ou do mês.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Efectivos mobilizados!


Hoje encontrei esta foto na net e embora não tenha a certeza da exactidão dos números aqui apresentados quero deixá-la aqui como informação. Tudo aquilo que tenha a ver com a Guerra Colonial me interessa, quanto mais informação eu tiver melhor será.
Por aquilo que se entende da legenda trata-se apenas de tropas enviadas de Lisboa e haverá, por conseguinte, que considerar as tropas recrutadas em cada uma das três colónias que são também em número considerável.

sábado, 7 de dezembro de 2013

A mulher morta!


Há em Macieira um lugar conhecido pelo nome de «Alto da Mulher Morta» que fica situado (aproximadamente)  no ponto onde se tocam as freguesias de Macieira, Rates e Courel. Sempre me fez muita confusão um tal nome e nunca encontrei quem me soubesse explicar a sua origem. Mas como não sou de ficar quieto quando quero saber qualquer coisa, continuei a fazer a pergunta cada vez que me surgia uma oportunidade. Até que um dia alguém (já não recordo quem) me explicou que em tempos houve naquele lugar um grande incêndio que consumiu grande quantidade de mato, pinheiros e eucaliptos. Nesse tempo não havia, como há hoje, carros de bombeiros que acorrem ao nosso chamamento e nem tão pouco havia um telefone para os chamar. Tocou a rebate o sino da aldeia e apareceram muitas pessoas prontas para lutar contra as chamas, mas o calor era tanto e as chamas tão altas que nada puderam fazer. Ardeu o que tinha que arder e o fogo foi-se extinguindo conforme se ia aproximando dos terrenos cultivados ou esbarrava nos populares que lhe faziam frente.
Com a chegada da noite, o arrefecimento da temperatura do ar e um último esforço das pessoas que o combatiam o incêndio foi dado por extinto e as pessoas regressaram às suas casas. Na manhã seguinte, os proprietários dos terrenos atingidos pelo fogo dirigiram-se ao local para ajuizar dos prejuízos. Cada um percorreu os terrenos que lhe pertenciam e a páginas tantas alguém começou a gritar chamando a atenção de todos os outros. Isso fez toda a gente convergir para o ponto onde se encontrava aquele que tinha gritado e que, de olhos esbugalhados, olhava para um cadáver de uma mulher calcinado pelo fogo do dia anterior.
Veio a GNR e os serviços sanitários de Barcelos para tomar conta da ocorrência e levantar o corpo. Nos dias que se seguiram todos queriam saber a quem pertencia aquele corpo, uma vez que em Macieira não se tinha dado por falta de ninguém. Correu a notícia por Rates e Courel, mas também lá não havia notícia de faltar qualquer pessoa. Os dias foram passando e o assunto caindo no esquecimento das pessoas de Macieira. E de Barcelos também nunca foi recebida qualquer explicação para a falta de identificação do cadáver encontrado. Talvez algum pobre pedinte vindo de longe e sem família que desse pela sua falta.
E daí em diante, para o povo de Macieira aquele lugar começou a ser conhecido pelo nome de «Lugar da Mulher Morta».
Quem discordar do que aqui escrevo ou conhecer outra versão da história agradeço que deixe aqui um comentário. Será um contributo valioso para a História de Macieira.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Agora sim, um conto!



Ontem afirmei que não sou de contos, mas hoje apeteceu-me contar-vos um conto que tem foros de realidade. Refere-se a dois amigos que moravam em Macieira e juntos decidiram ir até à Borralha tentar arranjar trabalho para dar de comer aos filhos que tinham em casa a passar fome.
Um belo dia puseram às costas uma sacola com alguns pertences e um naco de broa de milho para fazer frente às primeiras ameaças de fome e enfrentaram a primeira etapa da viagem, a pé, até à estação dos Caminhos de Ferro de Nine. Daí uma curta viagem de comboio até Braga. De Braga até à freguesia de Salto, no concelho de Montalegre, são umas dezenas de quilómetros, mas não havia outro remédio senão fazê-los a pé também, pois a época dos automóveis vinha ainda longe.
Chegados às instalações mineiras que nessa altura, por volta de 1950, laboravam a todo o gás, não conseguiram ser admitidos. Segundo o engenheiro responsável já tinham mais gente do que precisavam e era até provável que muito em breve acontecessem alguns despedimentos. Desanimados prepararam-se para fazer o caminho de volta até Braga e lá chegados decidir o que fazer da sua vida. Por sorte um dos camiões da mina que ia a sair dirigia-se para Braga e deu-lhes uma boleia que lhes tirou das pernas umas quantas horas de caminho. Já era melhor que nada.
Como não conheciam nada nem ninguém na cidade grande perguntaram ao camionista se conhecia algum lugar onde pudessem ficar para dormir e arranjar alguma coisa para comer. Ele levou-os até uma espécie de albergue onde se costumavam juntar trabalhadores de um grande empreiteiro do Porto que andava a trabalhar para os Correios instalando cabos telefónicos na estrada que liga Braga a Guimarães. Ali regressavam à noite, depois de um dia agarrados à pá e pica, para descansar até ao dia seguinte.
Os dois amigos que não queriam voltar para Macieira mais pobres do que de lá tinham saído, viram ali uma oportunidade de arranjar qualquer coisa. Na manhã seguinte falaram com o capataz dos trabalhadores e ele prometeu que os recomendaria ao engenheiro chefe da sua empresa logo que ele aparecesse na obra. Para isso tiveram que acompanhar os outros trabalhadores para o lugar onde se desenvolvia a obra e por lá foram queimando o tempo até que o engenheiro chegasse. Não aconteceu logo, mas acabaram por conseguir ser admitidos e começar a trabalhar nessa empresa do Porto.
À noite, porque não tinham dinheiro para comer, iam pedinchar uma tijela de sopa à Legião Portuguesa e depois dormir uma soneca, em cima de uns sacos de serapilheira, e esperar pelo transporte que, manhã cedo, os levaria para retomar o trabalho no sítio onde tinha sido interrompido no dia anterior. Um dos dois amigos era fumador inveterado e depois da tijela da sopa passava pela estação dos caminhos de ferro de Braga para apanhar algumas pontas de cigarro que depois desfazia e usando um livrinho de mortalhas enrolava alguns cigarros que dariam para matar o vício no dia seguinte.
À hora da refeição do meio dia, pouco mais comiam que um pedaço de broa que andava sempre com eles na sacola e com alguma sorte conseguiam, às vezes, comprar numa casa das redondezas um prato de sopa a troco de alguns tostões. Depois de recebido o primeiro ordenado as coisas tornaram-se mais fáceis e sempre se podia comprar uma pele de bacalhau ou um coirato de porco para ajudar a empurrar a broa pela goela abaixo. Uma verdadeira vida de escravo e uma miséria danada que hoje é difícil de entender, tendo sempre em vista poupar todos os tostões possíveis para levar para casa e dar de comer à família.
Dos dois amigos macieirenses aquele que era fumador tinha uma saúde mais débil e ao fim de pouco tempo começou a ressentir-se acabando por regressar a casa. O outro continuou e por lá ficou até ser dispensado pela empresa quando a empreitada terminou. Alguns anos mais tarde voltaria a pedir emprego ao mesmo engenheiro e participado na empreitada que fez a instalação de um cabo entre o Porto e Braga, pelas valetas da Estrada Nacional Nº14.
E era assim a vida nesses tempos. Um pouco a trabalhar na lavoura e outro tanto fora dela quando o trabalho abrandava. Já quase não há quem se lembre de quão difícil era a vida, há pouco mais de meio século, mas posso garantir que não há ponta de exagero naquilo que acabo de descrever.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Contar um conto!

Ruínas das Minas da Borralha-Montalegre

Não tenho habilidade para contar contos. Contos são histórias que não aconteceram e que o contista tem que ter a habilidade de ir construindo à maneira que vai avançando sem perder de vista o final que quer oferecer aos seus leitores. Eu sou mais de fazer relatos de coisas que realmente aconteceram ou de contar a história de pessoas reais que eu conheci ou de quem ouvi falar. E nos quase 70 anos que já levo de vida, eu conheci muita gente e presenciei acontecimentos que dariam para escrever meia dúzia de livros de lombada bem grossa. A questão está em escolher algo que desperte o interesse de quem esperamos que nos leia. E neste blog que foi criado a pensar nas pessoas de Macieira, os combatentes e os seus familiares, só terá sentido escrever sobre alguma coisa que a eles diga respeito. Ora vamos lá tentar.
Em meados do século passado, com a Europa a sair de uma guerra devastadora, Portugal vivia uma crise que não pode comparar-se à que hoje nos aflige. A população rural não tinha alternativa senão trabalhar a terra. O mal é que o trabalho não chegava para todos nem durava todo o ano. Indústria não havia e o comércio ocupava meia dúzia de pessoas. As famílias mais pobres viam-se e desejavam-se para matar a fome aos seus filhos. A época de emigração para a Europa aconteceria apenas após o ano de 1960 e os macieirenses tinham que procurar trabalho fosse onde fosse. Alguns aceitaram as propostas do Dr. Oliveira Salazar e decidiram tentar a sorte em Angola, como aconteceu com o filho mais velho do Tio Salvador do Velho ou o Tio David Vitorino e outros que agora não me vêm à ideia. Outros optavam pelo Brasil, mas sempre a medo, pois se dizia que quem para lá ia nunca mais voltava. Tanto num como no outro caso, era preciso dinheiro para se dar esse passo, coisa que era o que mais faltava no bolso de quem vivia de colher meia dúzia de carros de milho ou pipas de vinho em cada S.Miguel, ou de um salário que não dava para fazer qualquer economia.
O sonho de muitos dos homens de Macieira (nesse tempo não se falava ainda de emprego para as mulheres) era arranjar trabalho fora da agricultura. A construção civil, tal como a conhecemos hoje, também não existia o que reduzia drasticamente o leque de possibilidades que se abriam aos candidatos. Talvez algumas obras públicas, alargamento das redes eléctricas, de estradas ou de comunicações ou as minas fossem uma alternativa. Tornava-se necessário abandonar o conforto do lar e partir à aventura para garantir o pão nosso de cada dia a quem não tinha ainda idade para o fazer por si próprio.
Tudo isso fizeram os homens de Macieira nos anos difíceis do pós-guerra. Durante uns poucos anos apareceu a «Febre do Volfrâmio» que ocupou muita gente e deu algum dinheiro a ganhar, mas foi sol de pouca dura. Com o fim da II Guerra Mundial o fabrico de armas diminuiu e o interesse das potências europeias nesse minério desapareceu, deixando Macieira toda esburacada e os homens sem trabalho, de novo.
Conheci gente que foi trabalhar para a Ilha da Madeira, para as Minas da Borralha ou que se juntaram aos empreiteiros que andavam a instalar cabos telefónicos entre o Porto, Braga e Guimarães. Felizmente não havia ainda as máquinas escavadoras e as valas para enterrar os cabos, nas valetas das nossas estradas nacionais, ocupavam muitas dezenas de homens agarrados à pá e picareta. Por um ordenado diário que dificilmente ultrapassava os 25$00, era preciso dar-lhe com coragem, de manhã à noite, seis dias por semana, para garantir não ser despedido. É fácil, por conseguinte, perceber a razão por que se dizia que o povo comia «o pão que o diabo amassou». Vidas que não têm qualquer comparação com as que vivem os homens de hoje.
Todos esses habitantes de Macieira, da geração anterior à minha, ficariam muito felizes se pudessem viver esta crise que um governo mal preparado nos tem oferecido, desde há uns anos a esta parte. E tudo isto para dizer que me parece que há muita gente a queixar-se ... de barriga cheia!