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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Contar um conto!

Ruínas das Minas da Borralha-Montalegre

Não tenho habilidade para contar contos. Contos são histórias que não aconteceram e que o contista tem que ter a habilidade de ir construindo à maneira que vai avançando sem perder de vista o final que quer oferecer aos seus leitores. Eu sou mais de fazer relatos de coisas que realmente aconteceram ou de contar a história de pessoas reais que eu conheci ou de quem ouvi falar. E nos quase 70 anos que já levo de vida, eu conheci muita gente e presenciei acontecimentos que dariam para escrever meia dúzia de livros de lombada bem grossa. A questão está em escolher algo que desperte o interesse de quem esperamos que nos leia. E neste blog que foi criado a pensar nas pessoas de Macieira, os combatentes e os seus familiares, só terá sentido escrever sobre alguma coisa que a eles diga respeito. Ora vamos lá tentar.
Em meados do século passado, com a Europa a sair de uma guerra devastadora, Portugal vivia uma crise que não pode comparar-se à que hoje nos aflige. A população rural não tinha alternativa senão trabalhar a terra. O mal é que o trabalho não chegava para todos nem durava todo o ano. Indústria não havia e o comércio ocupava meia dúzia de pessoas. As famílias mais pobres viam-se e desejavam-se para matar a fome aos seus filhos. A época de emigração para a Europa aconteceria apenas após o ano de 1960 e os macieirenses tinham que procurar trabalho fosse onde fosse. Alguns aceitaram as propostas do Dr. Oliveira Salazar e decidiram tentar a sorte em Angola, como aconteceu com o filho mais velho do Tio Salvador do Velho ou o Tio David Vitorino e outros que agora não me vêm à ideia. Outros optavam pelo Brasil, mas sempre a medo, pois se dizia que quem para lá ia nunca mais voltava. Tanto num como no outro caso, era preciso dinheiro para se dar esse passo, coisa que era o que mais faltava no bolso de quem vivia de colher meia dúzia de carros de milho ou pipas de vinho em cada S.Miguel, ou de um salário que não dava para fazer qualquer economia.
O sonho de muitos dos homens de Macieira (nesse tempo não se falava ainda de emprego para as mulheres) era arranjar trabalho fora da agricultura. A construção civil, tal como a conhecemos hoje, também não existia o que reduzia drasticamente o leque de possibilidades que se abriam aos candidatos. Talvez algumas obras públicas, alargamento das redes eléctricas, de estradas ou de comunicações ou as minas fossem uma alternativa. Tornava-se necessário abandonar o conforto do lar e partir à aventura para garantir o pão nosso de cada dia a quem não tinha ainda idade para o fazer por si próprio.
Tudo isso fizeram os homens de Macieira nos anos difíceis do pós-guerra. Durante uns poucos anos apareceu a «Febre do Volfrâmio» que ocupou muita gente e deu algum dinheiro a ganhar, mas foi sol de pouca dura. Com o fim da II Guerra Mundial o fabrico de armas diminuiu e o interesse das potências europeias nesse minério desapareceu, deixando Macieira toda esburacada e os homens sem trabalho, de novo.
Conheci gente que foi trabalhar para a Ilha da Madeira, para as Minas da Borralha ou que se juntaram aos empreiteiros que andavam a instalar cabos telefónicos entre o Porto, Braga e Guimarães. Felizmente não havia ainda as máquinas escavadoras e as valas para enterrar os cabos, nas valetas das nossas estradas nacionais, ocupavam muitas dezenas de homens agarrados à pá e picareta. Por um ordenado diário que dificilmente ultrapassava os 25$00, era preciso dar-lhe com coragem, de manhã à noite, seis dias por semana, para garantir não ser despedido. É fácil, por conseguinte, perceber a razão por que se dizia que o povo comia «o pão que o diabo amassou». Vidas que não têm qualquer comparação com as que vivem os homens de hoje.
Todos esses habitantes de Macieira, da geração anterior à minha, ficariam muito felizes se pudessem viver esta crise que um governo mal preparado nos tem oferecido, desde há uns anos a esta parte. E tudo isto para dizer que me parece que há muita gente a queixar-se ... de barriga cheia!

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