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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Agora sim, um conto!



Ontem afirmei que não sou de contos, mas hoje apeteceu-me contar-vos um conto que tem foros de realidade. Refere-se a dois amigos que moravam em Macieira e juntos decidiram ir até à Borralha tentar arranjar trabalho para dar de comer aos filhos que tinham em casa a passar fome.
Um belo dia puseram às costas uma sacola com alguns pertences e um naco de broa de milho para fazer frente às primeiras ameaças de fome e enfrentaram a primeira etapa da viagem, a pé, até à estação dos Caminhos de Ferro de Nine. Daí uma curta viagem de comboio até Braga. De Braga até à freguesia de Salto, no concelho de Montalegre, são umas dezenas de quilómetros, mas não havia outro remédio senão fazê-los a pé também, pois a época dos automóveis vinha ainda longe.
Chegados às instalações mineiras que nessa altura, por volta de 1950, laboravam a todo o gás, não conseguiram ser admitidos. Segundo o engenheiro responsável já tinham mais gente do que precisavam e era até provável que muito em breve acontecessem alguns despedimentos. Desanimados prepararam-se para fazer o caminho de volta até Braga e lá chegados decidir o que fazer da sua vida. Por sorte um dos camiões da mina que ia a sair dirigia-se para Braga e deu-lhes uma boleia que lhes tirou das pernas umas quantas horas de caminho. Já era melhor que nada.
Como não conheciam nada nem ninguém na cidade grande perguntaram ao camionista se conhecia algum lugar onde pudessem ficar para dormir e arranjar alguma coisa para comer. Ele levou-os até uma espécie de albergue onde se costumavam juntar trabalhadores de um grande empreiteiro do Porto que andava a trabalhar para os Correios instalando cabos telefónicos na estrada que liga Braga a Guimarães. Ali regressavam à noite, depois de um dia agarrados à pá e pica, para descansar até ao dia seguinte.
Os dois amigos que não queriam voltar para Macieira mais pobres do que de lá tinham saído, viram ali uma oportunidade de arranjar qualquer coisa. Na manhã seguinte falaram com o capataz dos trabalhadores e ele prometeu que os recomendaria ao engenheiro chefe da sua empresa logo que ele aparecesse na obra. Para isso tiveram que acompanhar os outros trabalhadores para o lugar onde se desenvolvia a obra e por lá foram queimando o tempo até que o engenheiro chegasse. Não aconteceu logo, mas acabaram por conseguir ser admitidos e começar a trabalhar nessa empresa do Porto.
À noite, porque não tinham dinheiro para comer, iam pedinchar uma tijela de sopa à Legião Portuguesa e depois dormir uma soneca, em cima de uns sacos de serapilheira, e esperar pelo transporte que, manhã cedo, os levaria para retomar o trabalho no sítio onde tinha sido interrompido no dia anterior. Um dos dois amigos era fumador inveterado e depois da tijela da sopa passava pela estação dos caminhos de ferro de Braga para apanhar algumas pontas de cigarro que depois desfazia e usando um livrinho de mortalhas enrolava alguns cigarros que dariam para matar o vício no dia seguinte.
À hora da refeição do meio dia, pouco mais comiam que um pedaço de broa que andava sempre com eles na sacola e com alguma sorte conseguiam, às vezes, comprar numa casa das redondezas um prato de sopa a troco de alguns tostões. Depois de recebido o primeiro ordenado as coisas tornaram-se mais fáceis e sempre se podia comprar uma pele de bacalhau ou um coirato de porco para ajudar a empurrar a broa pela goela abaixo. Uma verdadeira vida de escravo e uma miséria danada que hoje é difícil de entender, tendo sempre em vista poupar todos os tostões possíveis para levar para casa e dar de comer à família.
Dos dois amigos macieirenses aquele que era fumador tinha uma saúde mais débil e ao fim de pouco tempo começou a ressentir-se acabando por regressar a casa. O outro continuou e por lá ficou até ser dispensado pela empresa quando a empreitada terminou. Alguns anos mais tarde voltaria a pedir emprego ao mesmo engenheiro e participado na empreitada que fez a instalação de um cabo entre o Porto e Braga, pelas valetas da Estrada Nacional Nº14.
E era assim a vida nesses tempos. Um pouco a trabalhar na lavoura e outro tanto fora dela quando o trabalho abrandava. Já quase não há quem se lembre de quão difícil era a vida, há pouco mais de meio século, mas posso garantir que não há ponta de exagero naquilo que acabo de descrever.

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