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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Combatentes - Gabriel Martins

Nome - Gabriel dos Santos Martins
Nascido em - 28 de Janeiro de 1944
Incorporado em - Agosto de 1965
Ramo das F.A. - Exército
Posto - 1º Cabo
Especialidade - Corneteiro
Mobilizado em - 30 de Abril de 1966
Destino - Moçambique
Unidade - Batalhão de Caçadores 1891 - Companhia 1559
Transporte - Navio Pátria
Regresso - 8 de Setembro de 1968
Transporte - Navio Vera Cruz
Mortos no Batalhão - 9
Mortos na Companhia - 1

Por coincidência o Batalhão 1891, a que pertencia o Gabriel, esteve no Niassa, noroeste de Moçambique, no mesmo tempo em que eu lá passei um ano. Por um feliz acaso, encontramos-nos um dia no Cobué (o posto das margens do Lago Niassa mais a norte onde a Marinha tinha guarnição) e partilhámos uma refeição. Desse dia ficou uma fotografia, em que aparecemos os dois a bordo de uma lancha de fiscalização, que já publiquei neste blog.
O Alferes Pedro Salazar que, salvo erro, chefiava um dos pelotões da CCS tem um blog em que descreve detalhadamente a passagem do seu batalhão pela Guerra do Ultramar. Uma das funções que lhe foram distribuídas foi a de escoltar as colunas de abastecimento. Nesse tempo a estação terminal da Linha de Nacala era o Catur e aí era necessário fazer o transbordo das mercadorias para cima de camiões que seguiam até Vila Cabral e daí até Meponda ou Metangula, onde embarcavam nas lanchas da Marinha.

De Meponda a Metangula nas lanchas da Marinha

A Companhia CCS ficou acantonada em Metangula, enquanto que as outras três companhias que formavam o batalhão (1558+1559+1560) foram distribuídas pelos pontos estratégicos da província do Niassa, como Maniamba, Cobué, Nova Coimbra; Lunho, Miandica, etc.. Das três companhias foi a 1559, aquela em que o Gabriel prestou serviço, a que menos mortos sofreu e, pelos relatos a que tive acesso, a que menos encontros com o inimigo ou outras incidências de guerra teve que enfrentar. Pode dizer-se que o meu conterrâneo teve sempre a brilhar sobre a sua cabeça a estrelinha da sorte.
Como acontecia com a generalidade das Unidades Militares, também o Batalhão 1891 passou metade da comissão numa zona mais quente, onde o terreno minado e o contacto com o inimigo era quase garantido, e outro ano numa zona mais sossegada onde se fazia apenas serviço de guarnição. Não consegui estabelecer se o batalhão se manteve sempre unido e fez o mesmo percurso ou se cada companhia seguiu o seu caminho individualmente. Sei que permaneceram na Zambézia (Alto Moloqué) durante uns tempos, antes de seguirem para o Niassa e ali regressaram depois de um ano cumprido na "zona quente" do Niassa, de onde regressaram a Lisboa em Agosto de 1968.
Além do Alferes Salazar, pertenceu também ao mesmo batalhão e à companhia do Gabriel um furriel de nome Manuel Pedro Dias que escreveu um livro (ver imagem ao lado) sobre a sua passagem pela guerra e tem também algumas passagens publicadas em blogs de onde tirei o excerto que vai transcrito de seguida. O seu percurso foi mais ou menos o mesmo que fez o Gabriel e ler o seu testemunho ajuda-nos a perceber como foi a sua passagem pela guerra.

  • Em Abril de 1966 parti no paquete ‘Pátria’ para a guerra. A 30 de Abril, como me podia esquecer? Tinha 22 anos. Já me achava velho para a guerra. O resto era rapaziada de 19 ou 20 anos. Tive muito tempo à espera. Quando cheguei a Moçambique, com 17 dias de mar, fui para a Zambézia. O tempo da chuva e do calor já se estava a dissipar.
  • Só em Maio de 1967, um ano depois de ter chegado ao Molumbo, já destacado no chamado "inferno de Miandica", vivi o primeiro episódio de guerra. A Secção dos Milhinhos, ao regressar ao destacamento através da pista de aterragem em construção, por isso, em campo aberto, sofreu um forte ataque. Em simultâneo, o inimigo atacou também o destacamento onde eu me encontrava. Seguiram-se momentos de grande angústia e perigo. Salvou-nos uma Caterpillar das obras que estava estacionada. Ouvíamos os tiros a bater na máquina. Naqueles momentos não se tem medo – temos que nos proteger. Ali não morreu ninguém nem houve feridos.
  • Estive dois meses no ‘ inferno’. Os praças dormiam em buracos no chão. Nós vivíamos numa casa de tijolo cheia de parasitas. O reabastecimento fazia-se através da avioneta que largava as sacas. Partilhávamos a comida com macacos, que nos roubavam.
  • No meu batalhão (600 homens), morreram nove. Na minha companhia (160 homens) tivemos apenas um morto por acidente com arma, o alferes Cartaxo. Mas senti também o pesar quando me disseram que morreu o cabo Leão, com o accionamento de uma mina antipessoal. Na guerra, as minas eram o nosso maior inimigo. Eu estava num local que lhe chamavam "Estado de Minas Gerais".
  • Quando saí do "inferno" de Miandica, em direcção ao Cóbuè, participámos na operação ‘Novo Rumo’ à base do Mepache. No caminho detectámos um posto avançado da Frelimo e houve um confronto. Obviamente alertaram logo a base principal. Nós continuámos. Estava combinado a aviação bombardear o acampamento do Mepache ao meio-dia. Com todos os percalços, quando lá chegámos já não estava ninguém. Por azar, um furriel da minha Companhia caiu numa ravina e abriu um buraco numa perna e ficou imobilizado. Eram três da tarde e a aviação já não o evacuou. Tivemos que passar a noite perto do aquartelamento que tínhamos atacado. E, de madrugada, fomos nós atacados. Ficámos caladinhos. Disparávamos sobre quem? Ao fim de dez minutos de fogo intenso desistiram. No dia seguinte, o helicóptero levou o furriel ferido e nós seguimos para Cóbuè.
O paquete de luxo que os trouxe de volta à civilização

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